Governo Bolsonaro estuda uso amplo de tecnologia nuclear em alimentos
Técnica é usada para eliminar parasitas e aumentar a vida útil do alimento
"Estamos trabalhando junto com produtores de sementes, universidades e investidores. O Brasil é de interesse particular para nós nesse planejamento devido à grande importância da indústria da agricultura e o alto nível de disposição para a inovação”, afirmou Ines Schedwill, chefe de marketing do Fraunhofer, em Dresden (ALE).
O Brasil possui tecnologia de irradiação desde a década de 1970, mas sua aplicação comercial em alimentos para o mercado interno é limitada a pimentas, condimentos e temperos, além de rações para animais.
A Sterigenics, com sede nos EUA, detém hoje o monopólio da irradiação no Brasil com uma planta instalada em Jarinu (SP) com irradiadores de cobalto e de elétrons.
O Cena possui dois irradiadores com fontes de cobalto-60 e um raio-X da Americana RadSource para uso científico e/ou de baixa escala comercial.
Já o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) tem um acelerador de elétrons para uso em pesquisa e um irradiador Multipropósito de cobalto-60 para uso semi-industrial.
O principal empecilho à disseminação do uso da irradiação no Brasil é o custo —a instalação de uma planta moderna custa cerca de R$ 20 milhões, incluindo equipamento e infraestrutura mas não a logística. Daí o interesse em abrir o mercado para as estrangeiras e envolver o setor produtivo de grande porte nas conversas.
"É uma técnica boa que, se bem aplicada, vai trazer vantagens para o Brasil no sentido de eliminar barreiras comerciais e de aumentar a exportação”, afirma o pesquisador Murillo Freire, da Embrapa Agroindústria de Alimentos.
"O Brasil precisava de um irradiador em cada estado, porque é um país de dimensões enormes. Mas não tem quem invista de fato, porque as pessoas têm medo ou desconhecem. E é um negócio que dá dinheiro, o retorno é de um ano para um investimento de R$ 12 milhões a R$ 15 milhões”, afirma Anna Lucia Villavicencio, pesquisadora do Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen.
Nesse sentido, um irradiador de elétrons é visto como mais indicado pelos pesquisadores. O maior mercado importador de frutas brasileiras, por exemplo, é a Europa, que vê com ressalvas o uso de radioisótopos, mas aceita melhor a radiação por feixe de elétrons ou raios-X, segundo Mastrangelo.
Outro problema é percepção do público, que identifica o uso de energia nuclear com acidentes como o que envolveu a manipulação de Césio-137 em Goiânia (1987), ou ainda Chernobil (1986)
"Falta conscientização do público em geral. Criou-se uma ideia de que produto irradiado é produto radioativo. Mas a irradiação não torna o produto radioativo. Em outros países, muitos preferem o produto irradiado porque sabem que é mais seguro”, diz Freire. "O esforço é de quebrar esse paradigma, levar a técnica ao conhecimento de todos. Ela tem vantagens e desvantagens e ela não serve para tudo. Então tem que saber direitinho onde você vai aplicar e com que finalidade para você ter vantagem com isso.”
"É mais seguro que o orgânico, que utiliza adubo natural, que é cheio de bactérias e micro-organismos patogênicos”, afirma Villavicencio.
A OMS (Organização Mundial da Saúde), a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) e a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) consideram que a tecnologia de irradiação de qualquer alimento até a dose de 10 kGy (quilo-Gray) não representa risco toxicológico e é nutricionalmente adequada, além de ser uma opção de combate ao desperdício e à escassez de alimentos.
No entanto, o tema continua controverso.
A Alemanha, por exemplo, não permite a irradiação de alimentos porque o consumidor considera que falta comprovação científica de que não causa mal. Mas autoriza que alimentos que tenham sido irradiados em outros países da União Europeia sejam comercializados em território alemão.
E o que garante que o alimento irradiado não se torne radioativo?
"Com radiação eletromagnética, ou seja raio-X ou raio gama, a energia [aplicada sobre o alimento] tem de ser abaixo de 5 MeV [milhões de eletrovolts]. Acima disso, o fóton já tem energia suficiente para bater no núcleo do átomo e tornar o material irradiado radioativo. O cobalto-60, por exemplo, só emite duas ondas gama: uma com 1.17 e outra com 1.33 MeV, quer dizer, muito abaixo de 5 MeV”, diz Mastrangelo.
"Para elétrons acelerados o limite é 10 MeV. Acima disso, esse elétron já tem energia suficiente para desestabilizar o núcleo da amostra, e ela ficaria radioativa. Os aceleradores já vêm regulados para não ultrapassar essa potência”, afirma.
Mastrangelo diz ainda que o alimento não tem nenhum contato com a fonte radioativa em si, protegida por mais de uma camada de selagem.
A Comissão Codex Alimentarius (da FAO/OMS) estabelece os parâmetros de irradiação a que cada grupo alimentar ou alimento pode ser submetido de acordo com a finalidade. Assim, a dose máxima para retardar o brotamento de tubérculos é de 0,2 kGy; para desinfestar frutas frescas, 1 kGy; e para controle de parasitas em carnes e frutos do mar, 2 kGy.
Já a norma da Anvisa estabelece que qualquer alimento poderá ser tratado por radiação desde que a dose mínima absorvida seja "suficiente para alcançar a finalidade pretendida” e a dose máxima absorvida seja inferior àquela que "comprometeria as propriedades funcionais e/ou os atributos sensoriais [por exemplo, cor, gosto, cheiro] do alimento”.
Questionada sobre o porquê de doses específicas não terem sido fixadas, a exemplo de outros países, a Anvisa afirmou que, "na ausência de parâmetros estabelecidos em regulamento nacional podem ser adotados os padrões internacionais aceitos”.
A portaria obriga ainda que a frase "alimento tratado por processo de irradiação” conste nos rótulos e nos locais de exposição à venda de produtos a granel irradiados, por meio de cartazes ou placas.
Segundo a Anvisa, o não cumprimento das normas caracteriza infração sanitária. Já a utilização do símbolo internacional da Radura é opcional.
ENTENDA MAIS SOBRE A IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS
Para que serve?
■ Aumentar o tempo de
prateleira dos alimentos
■ Eliminar parasitas,
fungos e bactérias (mas não vírus) que contribuem para deterioração e doenças
(por exemplo, Salmonela spp, Listeria spp, Escherichia coli, Campylobacter spp,
Trichinella spiralis spp)
■ Retardar o amadurecimento
e senescência de frutas e legumes
■ Inibição do brotamento de
tubérculos e bulbos
■ Redução de compostos
tóxicos, incluindo alergênicos, N-nitrosaminas voláteis (cancerígenas), aminas
biogênicas, gossipol (embriotóxico) e outros
■ Pode ser uma exigência em
acordos bilaterais de exportação, com o fim de evitar a disseminação de pragas
estrangeiras a outros países
Todo alimento pode ser irradiado?
Não. Alimentos ricos em gordura (por exemplo, castanha do pará e manteiga) não devem ser irradiados por comprometimento do paladar e possível formação de substâncias nocivas.
Quais são os riscos e efeitos adversos?
■ Radicais podem produzir
componentes indesejados, destruir nutrientes e alterar funcionalidade de
vitaminas, carboidratos, proteínas e lipídeos
■ Doses acima do
recomendado ou em determinados alimentos podem gerar alterações de cheiro e de
sabor, ranço e limo
■ Não há método único para
detecção de alimentos irradiados
■ Regulamentação brasileira
não fixa com números as doses máximas e mínimas permitidas.
Quem utiliza?
Mais de 55 países, sendo 26 deles em escala comercial.
Desses 26: Brasil (desinfestação de especiarias e vegetais desidratados), EUA, China, África do Sul, Ucrânia, Vietnã, Bélgica, Alemanha, França, Japão e outros.
Em 2013, foram 500.000 toneladas de alimentos irradiados, sendo:
40% na China
20% nos EUA
13% no Vietnã
8% no México
19% no restante do mundo
Regulamentação no mundo
A Codex Alimentarius
Commission, com base em Roma, estabelece os padrões para irradiação de
alimentos.
Regulamentação no Brasil
A Resolução número 21, de
26/1/01, da Anvisa, estipula que:
■ A dose mínima absorvida seja suficiente para
atingir a finalidade e a dose máxima seja inferior à que comprometeria as
propriedades funcionais ou atributos sensoriais do alimento
■ Rótulo deve conter a
inscrição "alimento tratado por processo de irradiação”
■ Instalações de irradiação
devem ser autorizadas e inspecionadas pelo CNEN
O símbolo da Radura é utilizado internacionalmente para identificar os alimentos irradiados.
Outros usos de irradiação
■ Tratamento de lixo
industrial e hospitalar
■ Tratamento de sangue e
derivados
■ Esterilização de
equipamentos e instrumentos médicos, farmacêuticos e hospitalares
■ Esterilização de tecidos
biológicos
■ Desinfestação e
preservação de obras de arte e livros
■ Beneficiamento de pedras
preciosas
Fontes: Ipen, Cena, OMS, Anvisa., AIEA