Menu Principal
Portal do Governo Brasileiro
Logotipo do IPEN - Retornar à página principal

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

Ciência e Tecnologia a serviço da vida

 
Portal > Institucional > Notícias > Clipping de Notícias

O impacto da física na medicina moderna

Fonte: Jornal da Ciência

Artigo de Paulo Costa, professor livre-docente de Física Nuclear do Instituto de Física da USP

Nas últimas décadas nos deparamos com técnicas de diagnóstico ou terapias médicas que tiveram suas origens em laboratórios de pesquisas de diferentes áreas da física. Hoje, muitos de nós não estranhamos termos como raios X, tomografias, PET-SCAN, ressonância magnética ou radioterapia. Vamos olhar com cuidado cada uma delas. Os raios X foram descobertos por Wilhelm C. Roentgen em 1895 em seu laboratório na Universidade de Würzburg, na Alemanha. Roentgen era um professor de Física que estava pesquisando fenômenos de luminescência provocada por raios catódicos e, supostamente de maneira casual, descobriu esta manifestação das ondas eletromagnéticas que, sem entender bem como eram produzidas, chamou de raios X. Por esta descoberta, foi laureado com o primeiro Prêmio Nobel em Física no ano de 1901. Hoje, os raios X são utilizados nas mais variadas técnicas de diagnóstico por imagem na medicina, indo dos simples raios X odontológicos a procedimentos de alta complexidade como a mamografia, a tomografia computadorizada e a radiologia intervencionista.

Mais ou menos na mesma época em que Roentgen descobria os raios X, o cientista francês Antoine Henri Becquerel fazia importantes descobertas sobre a radioatividade, mas que só foram bem entendidas pelo casal Marie e Pierre Curie. O trabalho destes três cientistas permitiu agregar conhecimento a diversas áreas da ciência e impactou fortemente a medicina, com a introdução da possibilidade de utilização de materiais radioativos para produção de imagens do corpo, mais tarde chamada de medicina nuclear, e o tratamento de tumores, que nucleou a radioterapia. Os trabalhos destes três cientistas também renderam o Prêmio Nobel em Física de 1903 e de Química para Marie Curie em 1911.

A tomografia computadorizada, por sua vez, nasceu de ideias do físico sul-africano Allan Cormack, que realizou os primeiros cálculos teóricos que permitiam desenvolver os algoritmos de reconstrução de imagens. Mais tarde, o engenheiro inglês Godfrey Hounsfield, que não conhecia os resultados de Cormack, desenvolveu o primeiro equipamento de tomografia computadorizada comercial. Uma curiosidade nesta etapa da história é que o algoritmo matemático usado para produzir as imagens de tomografia computadorizada já havia sido idealizado em 1917, pelo matemático austríaco Johann Radon. Ou seja, esta etapa da história conecta conceitos matemáticos fundamentais, uma boa dose de física das radiações experimentais, conceitos de informática e um tanto do que podemos chamar, hoje, de engenharia biomédica. Cormark e Hounsfield receberam o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina 1979 pelo desenvolvimento da tomografia computadorizada.

Já o PET-SCAN, cujo nome vem do inglês Positron Emission Tomography ou Tomografia por Emissão de Pósitrons utiliza uma propriedade fundamental da matéria, só compreendida adequadamente após o desenvolvimento da mecânica quântica. Neste caso, o processo de produção de imagens faz uso da produção de energia, na forma de fótons, quando uma partícula e uma antipartícula se encontram. Nesse caso, o par partícula/antipartícula é formado por um elétron e um pósitron (sendo este a antipartícula do elétron). O pósitron é emitido por núcleos atômicos instáveis produzidos em cíclotrons (também oriundos de laboratórios de física fundamental na década de 1950). O encontro de pósitrons e elétrons gera energia na forma de dois fótons que se movem em direções opostas. A detecção desses fótons permite a produção de imagens que identificam a posição, dentro do corpo do paciente, onde esses pósitrons foram emitidos. Assim, associando-se átomos emissores de pósitrons formam-se substâncias chamadas radiofármacos. Esses radiofármacos emissores de pósitrons se ligam, seletivamente, por exemplo, a células neoplásicas do corpo humano. Com isso, regiões com tumores no corpo dos pacientes podem ser seguidas e sua evolução ou a resposta a medicamentos pode ser avaliada. Esta é somente uma das aplicações desta técnica na medicina, que tem trazido enormes contribuições também no diagnóstico de doenças cardíacas e do sistema nervoso central. Atualmente, as imagens PET são associadas às imagens de tomografia com raios X em um tipo de equipamento chamado PET-CT, que foi escolhido como a invenção do ano 2000 pela revista Time.

Outra técnica de diagnóstico por imagem muito utilizada atualmente é a ressonância magnética. Neste caso, a propriedade fundamental utilizada é a resposta de prótons pertencentes aos núcleos atômicos quando submetidos a campos magnéticos. O entendimento dessa técnica combina fundamentos da física nuclear, do eletromagnetismo e da mecânica estatística, três pilares da física do século XX. Os prótons, estimulados por campos magnéticos de alta intensidade (milhares de vezes mais intensos que o campo magnético da Terra) e também por pulsos de radiofrequência semelhantes aos utilizados em transmissão de rádio e em equipamentos de fisioterapia, respondem de maneira seletiva a diferentes estímulos, gerando respostas através de pulsos eletromagnéticos dependentes de suas propriedades moleculares e sua mobilidade nos tecidos do corpo.

Imagens do corpo humano usando a técnica da ressonância magnética são aplicadas em estudos do sistema nervoso central, em diagnósticos músculo-esqueléticos, em cardiologia, na avaliação do fígado e do sistema gastrointestinal e muitas outras aplicações. Assim, esta é outra importante ferramenta de diagnóstico que foi desenvolvida, também, em laboratórios de física fundamental. Os físicos Peter Mansfield e Paul Lauterbur foram laureados pelo Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina de 2003 pelo desenvolvimento desta técnica de imagens médicas.

Há, também, as áreas da medicina preocupadas com o tratamento do câncer. O câncer é, talvez, a doença mais importante da atualidade, dada sua alta taxa de incidência e de mortalidade ou de perda de qualidade de vida das pessoas afetadas por ela. Assim, desde as primeiras décadas do século XX as radiações, geradas por aceleradores de partículas semelhantes aos usados em laboratórios de pesquisa em física atômica ou nuclear, bem como fontes radioativas da mesma natureza das utilizadas nas pesquisas do casal Curie, são utilizadas para reduzir ou controlar células tumorais no corpo dos pacientes. A radioterapia atual utiliza desde fontes radioativas controladas por mecanismos robóticos na técnica de braquiterapia de altas taxas de dose, até aceleradores de elétrons e prótons, estes últimos ainda não empregados em radioterapia no Brasil, oferecendo altas taxas de curas às pessoas afetadas por essa doença.

Este conjunto de áreas correlatas, envolvendo a física, a medicina, a engenharia, a bioquímica e muitas outras áreas do conhecimento, deram origem à Física Médica, modalidade profissional em que o Brasil foi protagonista no final do século passado na América Latina e que tem se desenvolvido muito nos últimos anos, em especial na área de formação de recursos humanos. No mundo, a Física Médica se organizou como atividade profissional durante os anos 50 e 60 do século passado, com o incentivo da comunidade científica internacional para a utilização da energia nuclear para fins pacíficos. Dentre os nomes de destaque na Física Médica internacional, provavelmente o professor John R. Cameron (1922-2005), da Universidade de Wisconsin, foi um dos mais impactantes para o desenvolvimento desta área do conhecimento no Brasil. O professor Cameron esteve no Brasil várias vezes, tendo estabelecido importantes colaborações no Instituto de Física (IF) da USP. Aqui, além de apoiar o desenvolvimento científico e estimular estudantes a ingressarem no campo da Física Médica, sugeriu que fosse formada uma associação para reunir os cientistas e profissionais ligados ao tema. Assim, em 1969, foi fundada a Associação Brasileira de Física Médica (ABFM), em uma reunião no Centro de Medicina Nuclear do Hospital das Clínicas da USP e tendo como um de seus fundadores e segundo presidente o professor Shigueo Watanabe, do IF. Durante o decorrer destes quase quarenta anos de desenvolvimento, a ABFM teve diversos presidentes que foram ou são docentes ou ex-alunos do IF. O envolvimento é tão grande que o Congresso Brasileiro de Física Médica de 2019, comemorativo dos 50 anos da associação, será presidido por um professor do Instituto de Física e terá participação ativa de diversos outros membros da comunidade do IF em sua organização. Cabe, também, ressaltar que a ABFM atua intensamente, hoje, juntamente com a Sociedade Brasileira de Física na regulamentação da profissão de físico no Brasil.

Atualmente, o Brasil conta com pelo menos 12 programas de graduação em Física Médica, sendo somente um deles na USP, no campus de Ribeirão Preto. Há grande diversidade de programas de pós-graduação em áreas associadas à Física Médica, o que mantém o País em uma posição importante de formação de pessoal qualificado, sendo também referência na América Latina, de onde vem parte dos alunos de pós-graduação que realizam pesquisas em Física Médica. Desde 2012 foram organizados e regulamentados programas de Residência em Física Médica, que oferecem formação de alto nível para profissionais que buscam trabalhar em Física Médica fora do ambiente acadêmico, mas nos hospitais. O IF-USP participa de um desses programas, oferecido pela Faculdade de Medicina da USP, com oferta de formação na área de Diagnóstico por Imagem.

Nas áreas de pesquisa, o Grupo de Dosimetria das Radiações e Física Médica do IF tem realizado trabalhos nas áreas de desenvolvimento e aplicações de materiais dosimétricos, mais recentemente em técnicas de luminescência opticamente estimulada. Tem trabalhado, também, no desenvolvimento de técnicas de dosimetria das radiações nas áreas de tomografia computadorizada, mamografia e radiologia pediátrica. Mais recentemente, uma linha de pesquisa vem trabalhando no desenvolvimento de materiais radiologicamente equivalentes a tecidos humanos, que futuramente deverão ser utilizados para pesquisa e aplicações dosimétricas e para avaliação da qualidade de imagens médicas. Técnicas utilizando luz, ou seja, radiações não ionizantes, também têm sido objeto de estudos no grupo, em parcerias com pesquisadores de outras universidades.

Para os jovens que desejam ingressar na área de Física Médica no século XXI, pode-se observar que as técnicas em desenvolvimento atualmente, como, por exemplo, a utilização de imagens com contraste de fase ou a utilização da informação energética dos fótons para produção de imagens, ou ainda a utilização de núcleos pesados para o desenvolvimento de novas técnicas terapêuticas, têm em comum a necessidade de sólido conhecimento em física fundamental. Sistemas de imagens híbridos, utilizando não somente tecnologias complementares, mas conhecimento de dinâmica biomolecular, farão parte do repertório daqueles que forem trabalhar em Física Médica nas próximas décadas. Somente assim os cientistas da área de Física Médica do futuro poderão empurrar as fronteiras das técnicas atuais usadas para o diagnóstico e o tratamento de doenças e gerar reais benefícios à sociedade, melhorando a precisão da medicina.

Jornal da USP

Eventos