USP testa resistência à radiação sem utilizar um reator nuclear
Técnica avançada de microscopia eletrônica simula os efeitos causados pela radiação no revestimento dos reatores
Fonte: Governo do Estado de São Paulo
Por meio de uma técnica avançada de microscopia eletrônica, o efeito da radiação é simulado sem necessidade de produzir uma reação nuclear, o que reduz o custo dos experimentos. O método usado no experimento é descrito em artigo do Journal of Nuclear Materials.
Os reatores nucleares possuem uma câmara em que são inseridas varetas metálicas com o combustível nuclear e o material que controla a intensidade da reação entre as partículas dos átomos, que leva à geração de energia.
"A radiação produzida na reação pode danificar o revestimento do combustível e comprometer o reator”, conta o professor Claudio Schön, da Poli, um dos autores do artigo. "Em Fukushima, o revestimento era feito de zircaloy, uma liga metálica com zircônio. O vapor de água presente na câmara do reator reagiu com o zircônio, produzindo hidrogênio molecular, que se acumulou e causou uma explosão”, acrescenta.
Desde então, segundo o docente, a comunidade científica busca soluções para evitar novos acidentes como esse. Uma das propostas é a adição de um filme fino sobre o zircaloy. Para essa finalidade, o Laboratório Nacional de Oak Ridge (Estados Unidos) estuda o nitreto de titânio, e um dos pesquisadores envolvidos é o primeiro autor do artigo, o físico Matheus Tunes, formado no Instituto de Física (IF) da USP.
Análises
Na Poli, o doutorando Felipe Carneiro da Silva, orientado por Claudio Schön, pesquisa as propriedades mecânicas dos filmes finos de nitreto de titânio. A partir dos estudos de Carneiro da Silva, o físico testou o material nos laboratórios da Universidade de Huddersfield (Reino Unido).
O nitreto de titânio foi observado em um microscópio de transmissão, acoplado a um acelerador de partículas. "A radiação é simulada por um feixe de íons de xenônio (gás nobre) que, ao se chocar com as partículas do material testado, simula o dano causado pela radiação do combustível nuclear”, explica Claudio Schön.
"Se a simulação fosse feita em um reator nuclear, além do custo mais elevado e da dificuldade de controlar a reação, todo o material potencialmente se tornaria radioativo, o que não acontece com essa técnica”, completa.
As análises demonstraram que o nitreto de titânio não é um material adequado para revestir o combustível nuclear. "Os testes identificaram dois processos que comprometem o desempenho da liga. Um deles é a segregação induzida por radiação, em que a energia envolvida na reação faz os átomos de titânio se concentrarem em defeitos cristalinos do material”, descreve o professor.
"O outro é o aparecimento de cavidades e bolhas, que crescem rapidamente ao receberem o nitrogênio existente no composto, causando um inchamento que é ruim para a operação do reator”, diz.
Destaque internacional
As pesquisas com reatores dentro da USP não vêm de hoje. Em 2018, por exemplo, a tese de doutorado de Vinícius Njaim Duarte sobre o comportamento de ondas que afetam a continuidade de reações de fusão, prejudicando a eficácia na produção de energia, ganhou o mundo após a publicação na revista Physics of Plasmas.
A repercussão foi tanta que a empresa General Atomics, que opera a maior máquina dedicada a estudos sobre fusão magnética dos Estados Unidos, realizou experimentos para testar as predições do modelo de Duarte, por meio do uso de uma máquina conhecida como "tokamak”.
Trata-se de um protótipo experimental de reator de fusão nuclear, dentro do qual se confina, em uma câmara de vácuo, um gás composto de isótopos de hidrogênio, sob a forma de plasma (quando se aquece um gás neutro a temperatura muito elevada, obtendo íons e elétrons).
Segundo Duarte, o que se observa em máquinas tokamak é que essas ondas "interagem com uma certa população de íons altamente energéticos, presentes no plasma”. Quando a interação foge do controle, as partículas são expelidas do plasma e esse fenômeno "é muito indesejável, porque é necessário manter as partículas do plasma bem confinadas”, preservando a autossuficiência do reator.