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Vítimas do césio-137 ainda reclamam de dificuldades para auxílio médico

Quase 28 anos após acidente, elas dizem que se sentem 'esquecidas'. MPF instaurou inquérito para apurar se há omissão do governo de Goiás.

Fonte: Portal G1

Quase 28 anos após o acidente radiológico com o césio-137, emGoiânia, vítimas da tragédia ainda reclamam de dificuldades para receber atendimento médico gratuito. Apesar da determinação da Justiça de que o governo estadual preste auxílio aos pacientes e familiares, em até 3º grau, alguns dizem que muitas vezes precisam comprar os remédios e até mesmo pagam pelo plano de saúde do Instituto de Assistência dos Servidores Públicos do Estado de Goiás (Ipasgo), no qual deveriam ser isentos. O Ministério Público Federal (MPF) analisa o caso.

Policial militar da reserva, Marques de Souza Rodrigues, 51 anos, reclama de dificuldades. Ele foi um dos agentes que trabalhou durante isolamento do ferro-velho no Setor Aeroporto, na região central da capital, onde houve a contaminação com o césio-137. Além disso, atuou por mais três anos e meio na unidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), em Abadia de Goiás, na Região Metropolitana da capital, para onde o material foi levado.

"Eu nunca tive contato direto com o césio, por isso, estou na classificação dos radioacidentados. Mas enfrento inúmeros problemas até hoje, e o ruim é que eles não param de surgir”, contou ao G1.

Marques diz que, em 1996, foi diagnosticado com um tumor no cérebro e chegou a passar por uma cirurgia, mas não foi possível fazer a retirada. Com isso, fez sessões de radioterapia e diz que o tumor foi controlado.

"O problema é que o tratamento deixou sequelas, como na minha memória recente, por exemplo, já que não consigo memorizar nada. Além disso, desenvolvi transtornos de humor e tenho que tomar cerca de 10 comprimidos todo o dia para suportar as dores de cabeça”, diz.

Segundo ele, que foi aposentado logo após o diagnóstico, os gastos com remédios são altos, pois nem sempre consegue obter todos na rede pública de saúde. Além disso, ele afirma que, até hoje, nunca teve a isenção do plano de saúde do Ipasgo.

"Eu pago todos os meses. Já vem descontado da minha aposentadoria. Se dizem que nós, as vítimas, temos direito ao auxílio gratuito, por que isso não ocorre? Eu cumpri com a minha obrigação de PM e, depois do que aconteceu, me sinto esquecido”, ressaltou o policial aposentado.

Outro policial militar aposentado vítima da tragédia, Gaspar Alves da Silva, de 51 anos, diz que uma das coisas que mais o incomodam é o preconceito. Um dos poucos que tem um laudo que comprova que foi contaminado pelo césio-137, ele desenvolveu uma mancha no cérebro e diz que nunca passou por uma cirurgia, por medo de perder os movimentos.

"Os riscos no meu caso eram muitos grandes e eu preferi continuar do jeito que estava. Porém, já desenvolvi outra doença, a esclerodermia, na qual a pele do meu corpo está ficando dura, paralisada. Por conta disso, preciso de um acompanhamento médico constante”, conta.

Ele diz que recebe atendimento gratuito pelo Ipasgo, mas afirma que precisa ter muita paciência. "Todas as vezes que vou usá-lo ele está bloqueado. Alegam que eu tenho dívidas, mas aí, quando puxam no sistema, veem quem eu sou e liberam. Mas sempre tenho que ir para uma única clínica, fora de mão, e sou tratado de maneira diferente. Às vezes, percebo que os médicos não querem mais me atender”, lamenta.

Além disso, ele afirma que o auxílio prometido no Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara), da Secretaria Estadual de Saúde, deixa a desejar. "Eu marquei uma consulta odontológica há quatro anos e até hoje não fui chamado. Vejo um descaso muito grande”, disse Silva.

Inquérito civil

Após receber reclamações das vítimas, o MPF decidiu instaurar um inquérito civil público para apurar possíveis omissões do Estado de Goiás em relação aos atendimentos às vítimas do césio.

Segundo o órgão, em meados de 2005, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) proferiu um acórdão em que determinou ao Estado de Goiás uma série de medidas visando o atendimento, entre elas o auxílio médico-hospitalar, a efetivação de sistema de notificação epidemiológica sobre câncer, a realização do trabalho de monitoramento epidemiológico na população de Goiânia, nos moldes do que era oferecido na extinta Fundação Leide das Neves.

Para cumprir com as determinações, na ocasião, o governo firmou um convênio com o Ipasgo, ao qual repassaria os valores decorrentes do atendimento às vítimas citadas. No entanto, segundo o MPF, "a autarquia estadual alega o não recebimento desses montantes, o que estaria ocasionando o descumprimento de algumas providências".

Sendo assim, o procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Ailton Benedito de Souza, enviou um ofício à Secretaria da Casa Civil de Goiás, requisitando informações sobre as ações prestadas. "Temos informações das vítimas de que o governo estadual está descumprindo as medidas, principalmente no que se refere ao atendimento médico", disse ao G1.

Além disso, segundo o procurador, o convênio entre o Estado e o Ipasgo vai expirar em setembro deste ano. "Por isso, precisamos saber quais serão as alternativas adotadas para que essas vítimas não fiquem desassistidas, uma vez que o Cara não dispõe do corpo médico adequado e, por isso, os pacientes precisam do plano de saúde. Um imbróglio entre os órgãos não pode afetar essas pessoas", explicou o procurador.

A assessoria de imprensa da secretaria informou ao G1 que foi notificada sobre o inquérito no último dia 10 e que o documento "foi encaminhado à Advocacia Setorial do órgão para as devidas providências”. No entanto, a Casa Civil diz que "entende que os questionamentos feitos pelo procurador devem ser respondidos pela Secretaria de Estado da Saúde, órgão que abriga o Cara, responsável pela assistência às vítimas do acidente e que, portanto, dispõe das informações solicitadas”.

Já a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que cumpre as medidas para atendimento das vítimas do acidente por meio do Cara e que "presta assistência médica e social às vítimas direta e indiretamente atingidas pelo acidente radioativo, faz o transporte em casos necessários; mantém em pleno funcionamento um centro de atendimento específico paras as vítimas do Césio 137 em Goiânia e também atende crianças, contanto com uma equipe de três pediatras”.

Além disso, segundo a SES, "o Hospital Araújo Jorge, referência no tratamento contra o câncer em Goiás, elabora um boletim de controle epidemiológico com os dados de câncer no estado e especificamente em Goiânia”.

A secretaria diz, ainda, que está fazendo a interlocução entre a Secretaria da Fazenda (Sefaz) e o Ipasgo para o pagamento das parcelas em atraso decorrente do atendimento às vítimas. Em 2011, uma negociação possibilitou o pagamento de sete anos de dívidas que estavam em atraso.

A assessoria de imprensa do Ipasgo, por sua vez, negou a falta de auxílio às vítimas do césio-137 e diz que, independente de qualquer dívida entre o governo e o instituto, todas as pessoas enquadradas nas condições recebem o atendimento gratuitamente, no plano básico, com acomodação de enfermaria.

"Todas as pessoas reconhecidas oficialmente como vítimas do acidente radiológico de Goiânia, através de decreto e pensão específicos no âmbito estadual, tem direito sim à cobertura do Ipasgo Saúde, sem cobrança de mensalidade e coparticipação, para o plano básico. Tal situação está convalidada ainda em contrato mantido pelo instituto e Secretaria Estadual da Saúde, que faz a remuneração pelo serviço”, destacou, em nota.

Sobre o caso do policial aposentado Marques Rodrigues, o Ipasgo informou que ele paga o plano de saúde porque fez a opção pelo plano especial, com acomodação em apartamento. "Para tanto, a mesma lei estabeleceu a alíquota de 7,94% sobre os vencimentos, relativa à diferença de acomodação. Se a opção fosse pelo plano básico, nenhuma cobrança seria feita, como determina a lei”, destacou o órgão.

O acidente


A tragédia começou quando dois jovens catadores de materiais recicláveis abriram um aparelho de radioterapia em um prédio público abandonado, no dia 13 de setembro de 1987, no Centro de Goiânia. Eles pensavam em retirar o chumbo e o metal para vender e ignoraram que dentro do equipamento havia uma cápsula contendo césio-137, um metal radioativo.

Apesar de o aparelho pesar cerca de 100 kg, a dupla o levou para casa de um deles, no Centro. Já no primeiro dia de contato com o material, ambos começaram a apresentar sintomas de contaminação radioativa, como tonteiras, náuseas e vômitos. Inicialmente, não associaram o mal-estar ao césio-137, e sim à alimentação.

Depois de cinco dias, o equipamento foi vendido para Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho localizado no Setor Aeroporto, também na região central da cidade. Neste local, a cápsula foi aberta e, à noite, Devair constatou que o material tinha um brilho azul intenso e levou o material para dentro de casa.

Devair, sua esposa Maria Gabriela Ferreira e outros membros de sua família também começaram a apresentar sintomas de contaminação radioativa, sem fazer ideia do que tinham em casa. Ele continuava fascinado pelo brilho do material. Entre os dias 19 e 26 de setembro, a cápsula com o césio foi mostrada para várias pessoas que passaram pelo ferro-velho e também pela casa da família.

A primeira vítima fatal do acidente radiológico foi a garota Leide das Neves Ferreira, de 6 anos. Ela se tornou o símbolo dessa tragédia e morreu depois de se encantar com o pó radioativo que brilhava durante a noite. A menina ainda fez um lanche depois de brincar com a novidade, acabou ingerindo, acidentalmente, partículas do pó misturadas ao alimento.

O acidente fez centenas de vítimas, no entanto, o Governo de Goiás e as autoridades envolvidas só assimiram quatro mortes, ocorridas pouco depois do acidente, incluindo o caso da menina.

No âmbito radioativo, o acidente com césio-137 só não foi maior que o registrado na usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, segundo a Cnen. Cerca de 6 mil toneladas de lixo radioativo foram recolhidas na capital goiana e levada para Abadia de Goiás, onde permanece até os dias atuais.

Passadas mais de duas décadas, os resíduos já perderam metade da radiação. No entanto, o risco completo de radiação só deve desaparecer em pelo menos 275 anos.


 

 

 


 

 

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