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Carvalho × Senra

Especialistas em energia nuclear divergem sobre a necessidade de conclusão de Angra 3, prioridade do atual governo. Para um, será mais sensato e barato cancelar o projeto agora. Para o outro, a interrupção definitiva seria um “desatino” energético e econômico

Fonte: Época

Joaquim Francisco de Carvalho, 83 anos, paulista
O que faz e o que fez: pesquisador associado ao IEE/USP, foi diretor industrial da Nuclen (hoje Eletronuclear) e presidiu a comissão que avaliou o acidente com o Césio 137, em 1987. Doutorou-se em energia pela USP

Aquilino Senra, 66 anos, fluminense
O que faz e o que fez: professor do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ, foi presidente da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que exerce o monopólio do urânio no país em nome da União. Doutorou-se em ciências da engenharia nuclear pela Coppe/UFRJ

Existe preconceito no Brasil contra a energia nuclear?

Joaquim Francisco de Carvalho Não há preconceito, mas sim desinformação. Contra e também a favor.

Aquilino Senra Se há algum preconceito, ele resulta da associação da energia nuclear principalmente com as bombas nucleares e, talvez, com acidentes em usinas. O uso dessa fonte de energia para geração de eletricidade desperta um forte debate. Contudo, é consenso que a energia nuclear tem inúmeras aplicações importantes, das quais a sociedade moderna não pode prescindir, como na medicina, na agricultura, na indústria, na arqueologia e no meio ambiente. Considerando todas as suas aplicações, a energia nuclear é razoavelmente aceita pela sociedade brasileira.

Vale a pena para o Brasil investir em energia nuclear, considerando o custo e a diversidade de fontes energéticas que temos?

JFC Se houvesse planejamento, o Brasil poderia cobrir toda a demanda por energia elétrica apenas com fontes renováveis, como a hídrica, a eólica, a térmica, de biomassa e a fotovoltaica. O problema é que o planejamento foi desativado no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que extinguiu o Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS), coordenado pela Eletrobras. A situação piorou nos governos do PT.

AS A eletricidade é apenas uma das inúmeras aplicações da energia nuclear, mas, apesar da controvérsia, ela é eficiente e confiável, respondendo por cerca de 12% da geração em todo o mundo. Doze países usam a energia nuclear para pelo menos 30% de sua geração. Destaque para a França, com mais de 70%. A energia nuclear no Brasil é também importante para a diversificação e complementação da geração térmica, sendo a melhor alternativa das fontes térmicas de base para mitigar a intermitência na geração eólica e solar. Como as usinas nucleares de terceira geração têm custos estimados bastante inferiores aos das usinas atuais, é plausível admitir a expansão da geração nucleoelétrica no país.

O projeto de Angra 3, considerado polêmico, começou em 1984 e ainda não virou realidade. Qual a viabilidade de ampliar o uso da energia nuclear no curto prazo?

JFC No curto prazo, é inviável.

AS O atraso na conclusão do projeto de Angra 3 tem muito pouco a ver com a tecnologia e mais com situações externas ao projeto, tais como: dependência das garantias de financiamento dadas pelo governo federal; engessamento da administração pública refletindo-se na eficiência da execução do projeto, que, por ser de alta tecnologia, não pode ser engessado nos processos de aquisições de produtos e serviços altamente especializados; atrasos na liberação das licenças ambientais e nucleares; e repercussão dos acidentes de Chernobyl e Fukushima. Uma vez equacionada parte dessas questões, torna-se viável a expansão da participação da energia nuclear na matriz energética do país.

Qual a melhor opção para Angra 3, concluir ou cancelar esse projeto?

JFC Em situações como esta, os ingleses e americanos, sabiamente, aconselham: "Don’t cry over spilt milk”, isto é, "não chore sobre o leite derramado”. O prejuízo será menor se o projeto for cancelado.

AS Sem dúvida alguma a opção deve ser pela conclusão. A usina já está com 60% do projeto executado. Sua descontinuidade seria um desatino, tanto do ponto de vista energético quanto econômico. Entre o desmonte da estrutura já existente, a quitação de empréstimos já realizados para a execução do projeto, multas contratuais e a desativação completa do canteiro de obras, seria necessário arcar com um prejuízo de mais de R$ 13 bilhões. Desconte-se esse valor do que será necessário para a conclusão da obra e não haverá nenhuma outra fonte de energia para pôr no lugar com custo menor. Nesta altura do campeonato, abandonar o projeto será jogar dinheiro fora.

Não há no mundo solução definitiva para o lixo nuclear. Isso não seria um entrave para a retomada das obras?

JFC A experiência mostra que a descontaminação e desativação de uma central nuclear ao fim de sua vida útil pode custar mais que o capital investido em sua construção. E nem falemos dos gastos na manutenção e permanente vigilância dos depósitos de rejeitos de alta atividade. Só países ricos podem arcar com esses custos para afastar riscos inaceitáveis.

AS Não vejo isso como um entrave. Atualmente os combustíveis queimados são armazenados em piscinas especiais situadas no interior dos prédios de contenção das próprias usinas e lá deverão permanecer durante a vida útil deles, algo em torno de 60 anos. Essa é uma solução temporária. Existem diversas soluções técnicas para o armazenamento definitivo do combustível queimado. A principal, que está sendo adotada nos Estados Unidos, na Suécia e na Finlândia, é a construção de um depósito subterrâneo. Uma alternativa promissora vem sendo estudada como forma de evitar dificuldades técnicas e de aceitação pública dos repositórios finais. A ideia original foi proposta pelo físico, e prêmio Nobel, Carlo Rubbia, e consiste no uso de aceleradores de prótons de alta energia.

Se o projeto for abandonado, qual o futuro do conhecimento e da tecnologia desenvolvidos no país?

JFC Os engenheiros mecânicos e os engenheiros eletricistas seriam aproveitados em diversos setores da indústria. O pessoal específico da área nuclear, que é minoria, poderia ser aproveitado na Comissão Nacional de Energia Nuclear, no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (da USP), no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e em outras instituições. Seu conhecimento também seria útil no projeto de um sistema nuclear para propulsão naval.

AS Ao longo da operação da usina, é natural que ocorram aperfeiçoamentos do projeto. Há inúmeros tópicos em que novas tecnologias podem contribuir para melhorar o desempenho operacional e ampliar as condições de segurança, como sistemas antecipatórios de condições anormais de operação, novas ferramentas para prever o desempenho, a confiabilidade e economia da operação de usinas nucleares, modelagem da extensão do ciclo de vida dos reatores, além de novas técnicas de descomissionamento. Tudo isso deixará de ser realizado se o projeto de Angra 3 for abandonado.

O novo ministro de Minas e Energia é militar, e a energia nuclear sempre foi vista no Brasil como uma bandeira das Forças Armadas sob o argumento de que é uma questão estratégica. Até que ponto esse discurso ainda é atual?

JFC Centrais nucleares de potência não são estratégicas. Estratégico seria um sistema nuclear de propulsão naval. Um país com mais de 8.000 quilômetros de costa atlântica não pode prescindir de submarinos de propulsão nuclear. Também estratégico é o controle das grandes usinas hidrelétricas. Por essa razão, até nos EUA as grandes hidrelétricas são públicas. Em vez de privatizar a Eletrobras, seria mais inteligente despolitizá-la e submetê-la a uma diretoria profissional, competente e honesta. As hidrelétricas da Eletrobras respondem por uma oferta da ordem de 170 milhões de megawatts-hora por ano. Portanto seu ganho pode chegar a R$ 20 bilhões por ano. Se o governo de fato pretende investir no projeto de propulsão nuclear naval, aí está uma fonte de recursos.

AS Do ponto de vista militar, a defesa da extensa área marítima com uma enorme diversidade de recursos naturais é estratégica para o país. E, neste aspecto, as Forças Armadas propuseram recentemente como uma das prioridades do novo governo a conclusão do projeto do submarino nuclear. Já como ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque defendeu a conclusão do projeto de Angra 3 em razão do aproveitamento da tecnologia do ciclo do combustível nuclear, dominada autonomamente pelo país, e da existência de grandes reservas de urânio no território brasileiro.

A Alemanha resolveu suspender investimentos em energia nuclear após o acidente de Fukushima, no Japão. Faz sentido?

JFC Faz todo sentido. O acidente de Fukushima mostrou que, apesar de tudo que se possa fazer em matéria de segurança, não existe obra de engenharia 100% segura. São inúmeros os acidentes que acontecem pelo mundo. Entretanto, os acidentes nucleares têm dimensões que outros não têm. Um acidente de avião, por exemplo, termina no local e no instante em que acontece. Um acidente nuclear apenas começa no instante e no local em que ocorre. Alguns anos depois, milhares de pessoas em regiões inteiras sofrerão males induzidos por exposição a radiações ionizantes. Os alemães não querem mais correr esse risco.

AS Grupos contrários ao uso no país da energia nuclear têm afirmado que essa alternativa de geração de energia está sendo abandonada em nível mundial. Tal afirmação está longe de ser verdadeira. Dados recentes mostram que, além das 449 usinas em operação, estão em construção 56, que deverão entrar em operação nos próximos quatro anos. Além destas, já foram encomendadas outras 44.

O Brasil desenvolveu a tecnologia de enriquecimento de urânio. Deveria se aproveitar dessa vantagem e se tornar um exportador de urânio enriquecido?

JFC Urânio enriquecido também é usado nos reatores de pesquisa e de produção de radiofármacos. E, evidentemente, nos sistemas nucleares de propulsão naval. Os excedentes podem ser exportados.

AS O desenvolvimento do processo de enriquecimento isotópico de urânio é uma das maiores conquistas tecnológicas do Brasil, fruto da cooperação tecnológica entre Marinha, universidades e institutos de pesquisa do país. Atualmente, além do Brasil, apenas dez países detêm tecnologias de enriquecimento de urânio e nenhum deles vende ou transfere esses conhecimentos. A exportação do concentrado de urânio, sem a devida agregação de valor, seria uma forma inadequada de utilização das reservas nacionais do minério, que constituem patrimônio estratégico do país.

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