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Decisão da ANVISA retoma o risco de desabastecimento de radiofármacos usados para tratamentos e diagnósticos em medicina nuclear

Fonte: Petronotícias

O Brasil sofre há anos de um problema crônico em um dos pilares de seu sistema de saúde: o abastecimento de radiofármacos. Esses medicamentos são usados não apenas no diagnóstico, mas também no tratamento de graves doenças, sobretudo o câncer. Apesar da flexibilização do monopólio estatal para a produção de radiofármacos de meia-vida longa (maior que duas horas), promulgada em abril de 2022, existem condições no Brasil que ainda impedem o pleno abastecimento do mercado nacional. Há amarras que impossibilitam a entrada de investimentos privados no setor e, com isso, quem acaba sofrendo são aqueles que estão na ponta da linha – os pacientes. Recentemente, um novo imbróglio envolvendo uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) trouxe mais uma dor de cabeça para o segmento de medicina nuclear no Brasil. Segundo especialistas, a medida coloca em xeque a importação de radiofármacos e, consequentemente, a segurança no abastecimento desses produtos no Brasil.

Para entender a situação, o Petronotícias convida seus leitores para uma rápida retrospectiva. Vamos voltar ao ano de 2021, quando a pandemia de covid-19 ainda atormentava o país. Em virtude da situação sanitária e de todas as restrições de logística de transporte naquela época, a importação de radiofármacos para o Brasil ficou prejudicada. Outro problema naquele período era a situação econômica do Instituto de Pesquisa Energéticas e Nucleares (IPEN) que chegou a paralisar sua produção de radiofármacos em 2021 por falta de recursos.

Uma solução temporária encontrada naquele período veio da Anvisa, que editou a Resolução da Diretoria Colegiada 567 – também chamada de RDC da Excepcionalidade. A norma trouxe os critérios e procedimentos para importação de alguns radiofármacos que ainda não possuem registro na Anvisa, em caráter de excepcionalidade. Os medicamentos autorizados no texto podem ser importados por órgãos e entidades públicas e por pessoas jurídicas de direito privado, incluindo os estabelecimentos e serviços de saúde. A validade da RDC já foi ampliada diversas vezes e, no último mês de março, a diretoria da Anvisa prorrogou, com alterações, a vigência do documento até março de 2025.

Juntamente com essa prorrogação de prazo, a agência alterou a lista de radiofármacos que podem ser importados por meio da RDC da Excepcionalidade. Além de ter retirado alguns medicamentos da relação, ela deixou de incluir outros. É importante lembrar que a resolução foi editada pela primeira vez em 2021. Desde então, novos radiofármacos surgiram no mercado – e há demanda por esses produtos no Brasil. A diretora da empresa Theia Nuclear, Ana Celia Sobreira, lembra do caso do medicamento Trodat, que é usado para diagnosticar Parkinson e outras doenças neurodegenerativas. "Mantida a lista como está, apenas uma empresa pode oferecê-lo, acobertada por uma liminar judicial. É um produto cuja demanda está bem elevada”, explicou.

A especialista mostra preocupação também com a exclusão de um dos produtos da lista da RDC da Excepcionalidade, o iodo-131, usado para diagnóstico e terapia de câncer de tireoide. "Segundo as projeções do mercado, o IPEN deveria suprir o país com aproximadamente 100Ci de iodo-131 semanalmente para atender à demanda. Atualmente, o IPEN está fornecendo entre 40 e 45 Ci, o que já evidencia uma defasagem significativa em relação à necessidade do mercado”, alertou. Há registros também de atrasos e redução de atividades em geradores de tecnécio-99m.

Ana Celia lamenta que a Anvisa tomou as decisões sem ouvir amplamente o mercado. De acordo com ata da reunião da diretoria da agência, apenas o IPEN e duas empresas privadas foram consultadas sobre a possibilidade de abastecerem o mercado. "A Anvisa deveria ter envolvido não apenas algumas empresas privadas, mas também a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear e a Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN) em suas deliberações. A inclusão de todas as partes interessadas ou de suas representações garantiria uma abordagem mais abrangente e equitativa no processo de tomada de decisões”, disse Ana Celia.

Além do iodo-131, o chamado Gerador de Tecnécio-99mtambém foi retirado da lista de excepcionalidade da RDC, reduzindo para dois o número de fornecedores desse produto no país – o IPEN e uma empresa privada.

O que dizem os agentes envolvidos

Em nota, a Anvisa explicou os motivos que a levaram a reduzir o número de radiofármacos que poderiam ser importados por meio da RDC da Excepcionalidade. Em nota encaminhada ao Petronotícias, a entidade disse que a resolução foi editada "para enfrentamento de situação de urgência, num contexto de escassez e constatada falta de radiofármacos provocada pela suspensão de fabricação pelo IPEN”. A agência acrescentou que a recente alteração prorrogou, uma vez mais, a vigência da RDC restringindo a excepcionalidade àqueles fármacos cujo risco de falta de abastecimento ainda enseja motivo de preocupação.

A Anvisa alegou ainda que "é fundamental priorizar o marco regulatório vigente para o registro, notificação, importação e controle de qualidade de radiofármacos – RDC nº 738/2022, que assegura a avaliação de qualidade, segurança e eficácia desses medicamentos”. E segue explicando que "as situações nas quais as medidas de flexibilização e/ou dispensa desses requisitos sejam estritamente necessárias, devem ser conduzidas em caráter excepcional e temporário”. Por esse motivo, a agência disse que retirou alguns dos produtos da lista de radiofármacos inclusos na RDC.

Sobre a situação do fornecimento de iodo-131, a agência afirmou que fez um levantamento de dados pela área de Portos, Aeroportos e Fronteiras (GGPAF) sobre as importações de radiofármacos e que não teria constado a importação desse produto utilizando a RDC n° 567/2021. "Ademais, verificou-se que o mercado estava abastecido para esse produto, uma vez que a sua fabricação foi reativada pelo IPEN, que é o maior fornecedor nacional e declarou suficiência para fornecimento de iodo”, justificou. Aqui, cabe lembrar ao leitor que o IPEN não produz o iodo-131. Ele importa, fraciona e distribui no mercado, sem o ônus do recolhimento de impostos. Da mesma forma, empresas privadas podem importar e entregar para o mercado a forma final do produto, sem manipulação.

O Petronotícias também questionou a Anvisa sobre o fato de não ter consultado amplamente o mercado sobre as mudanças na RDC. A agência disse que foram consultadas todas as empresas fabricantes dos produtos que ensejavam alguma preocupação quanto ao abastecimento. Declarou ainda que houve a consulta ao Instituto Nacional de Câncer (INCA) e a diversas áreas internas da Anvisa com capacidade para contribuir com o tema.

A nota da agência não explica, porém, porque não foram ouvidas entidades associativas do setor, que certamente poderiam contribuir para o debate. No mercado de medicina nuclear, a avaliação é de que o fato de a Anvisa não ter consultado todas as empresas que poderiam entregar iodo-131, outros radioisótopos e radiofármacos e ter consultado somente a GGPAF, pode ter deixado uma lacuna na informação, tendo em vista que empresas privadas poderiam estar se adequando para realizar a importação.

Procurada, a CNEN/IPEN ainda não havia enviado seu posicionamento até o momento da última edição desta reportagem. O espaço segue aberto para a entidade manifestar-se sobre a atual situação do abastecimento de radiofármacos no Brasil.



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