MP investiga risco de acidente radiológico em Dourados
Disputa judicial impede que Centro de Tratamento do Câncer faça a retirada de 18 fontes de Cesio 137 que estariam de forma irregular em depósito no HE. Material radioativo é o mesmo que causou tragédia em Goiânia nos anos 80
Fonte: O Progresso
O Ministério Público Estadual abriu investigação para apurar possível
risco de Dourados sofrer um acidente radioativo por fontes de Cesio
137, o mesmo elemento que causou a maior tragédia radioativa do Brasil,
registrada em Goiânia nos anos 80.
Documento assinado pelo promotor de Justiça Etéocles Brito Júnior,
que pede apoio à Procuradoria da República, diz que o material estaria
depositado irregularmente nas dependências do Hospital Evangélico, já
que deveria ter sido recolhido para descarte, junto ao Instituto de
Pesquisas de Energias Nucleares (Ipen). Segundo o MP, a transferência do
elemento radioativo está emperrada devido a divergências judiciais
entre o Hospital Evangélico e o Centro de Tratamento de Câncer de
Dourados (CTCD). Ambos tinham uma parceria em que o HE terceirizava os
serviços para o CTCD. Com o rompimento deste acordo, o Centro não
consegue a autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen)
para transportar o material para local seguro.
Na prática o HE é o cadastrado com CNPJ na Cnen, mas é o Centro que
presta o serviço, cuida das questões técnicas e seria o proprietário
dessas fontes.
Por lei não pode existir duas empresas radioativas num mesmo
endereço. Por isso a Cnen não pode credenciar o Centro com o CNPJ do HE,
que por sua vez não tem os profissionais e manutenção dos equipamentos
de radioterapia que é feita pelo Centro. Por isso, a comissão tem
dificuldades para entender de quem é a responsabilidade técnica e de
supervisão de radioproteção de serviços de radioterapia.
De acordo com a física-médica em radioterapia e supervisora de
radioproteção da Cnen, Flávia Cristhina Ferreira de Araújo, o Centro de
Tratamento do Câncer ingressou com um pedido junto a Comissão, em julho
do ano passado, para a retirada das fontes de Cesio 137 do Hospital
Evangélico, mas até agora, devido a esse impasse, nenhuma providência
foi tomada e o projeto segue em análise. Segundo ela, o material é do
CTCD e era utilizado para o tratamento de pacientes com câncer
ginecológico, mas hoje está em desuso.
"As fontes de Césio 137 são rejeitos e devem ser encaminhadas para um
destino seguro. Todo o trâmite legal para o transporte desses produtos
foi feito pelo Centro de Tratamento do Câncer, mas é necessário que a
Cnen faça a autorização", destaca Flávia.
A física-médica é a supervisora dessas fontes de Césio 137 de forma
não oficial, já que é lotada no quadro de funcionários do Centro de
Tratamento do Câncer e não do HE. Segundo ela devido às pendências
entre os hospitais, Dourados corre um risco em potencial de acidente
radiológico. "As fontes estão abrigadas num cofre, mas é sempre um risco
mantê-las em desuso, quando poderiam ser transportadas para um local
adequado. A gente não pode estar o tempo todo cuidando e fiscalizando
desse depósito e a minha preocupação é que num momento em que o Hospital
Evangélico passa por paralisações, greves e demissões, esses materiais
possam ser desviados. Há uma insegurança física dessas fontes porque o
HE não tem condições de fazer o monitoramento das pessoas que entram e
saem, diferente da sensação de segurança que há no Centro, que possui
câmeras de segurança e vigias monitorando 24h. Hoje a gente teme um
risco ao meio ambiente e a população de Dourados", destaca a
física-médica que frisa ainda que o elemento cesio 137 que existe no
depósito do HE é o mesmo registrado na tragédia em Goiânia com a
diferença que lá era em pó enquanto que em Dourados são estruturas
metálicas, mas os riscos são os mesmos.
"Por mais que eles (HE) não tenham me designado formalmente, eu estou
atuando hoje na radioterapia. E quando se tem esse certificado da Cnen,
é como se eu fosse agente da Comissão. Por isso tenho, por obrigação,
como responsável técnica, comunicar o que está acontecendo. Não é nada
para alarmar as pessoas, mas para alertar os hospitais que eles devem
entrar em consenso em relação à pendência de CNPJ para depois resolverem
questões judiciais. Essas disputas podem até acontecer, mas resolvendo
primeiro esse impasse da retirada do material radiológico e sem
prejudicar o atendimento da população", destacou. Paralisação da radioterapia
Outro grave risco que Dourados corre, é de que haja a paralisação do
serviço de radioterapia. É que a Cnen exige um especialista em
supervisão e radioproteção nos locais em que se ofereça esse tipo de
atendimento. Hoje o HE possui o cadastro como prestador de serviço, mas
não tem o profissional, já que a especialista, a física-medica Flávia
Cristina Ferreira de Araújo, é o Centro de Tratamento do Câncer de
Dourados. Por causa disso a Cnen nunca respondeu ao Centro sobre a
designação dela na função de supervisora e já teria comunicado o HE que
pode suspender a autorização da operação do aparelho caso a exigência do
hospital ter um profissional seja descumprida. O prazo venceu em 04 de
janeiro.
Apesar das questões técnicas, informações e os profissionais
contratados ficarem a cargo do CTCD é o HE que tem o registro na Cnen e
segundo informações, disputa na justiça a posse do aparelho de
radioterapia.
Enquanto existe essa divergência entre os hospitais, a Cnen já comunicou
a falta do especialista por parte do HE para a Vigilância Sanitária,
que deverá interditar o aparelho na primeira visita que der ao Centro.
Os profissionais voltam de recesso em 20 de janeiro.
"Para piorar o problema, o Ministério da Saúde, que também tem o
conhecimento do fato, pode suspender os repasses da alta complexidade
caso não sejam resolvidos os entraves. Os impactos disso poderão ser
sofridos pelos 40 pacientes que hoje fazem o tratamento e correm o risco
de interrupções. Além disso, há uma demanda de cerca de 5 a 10
pacientes por semana, os quais podem ingressar na Radioterapia, que
passa por essa crise", destaca. Reforços
O promotor responsável pelas investigações, Etéocles Brito Junior,
pediu apoio do Ministério Público Federal e da Polícia Federal para
atuarem em investigação conjunta a respeito do caso. Também encaminhou
pedido de providência a Cnen para que o material seja recolhido o quanto
antes. A Promotoria também teme que a dívida de R$ 1 milhão do
Hospital Evangélico na Energisa possa atrapalhar a radioterapia e outros
serviço de saúde da instituição. Ele também marcou uma audiência de
urgência para discutir a radioterapia e evitar que ela seja mais uma vez
suspensa. Também quer que as fontes de cesio 137 sejam destinadas para
local seguro. "Estamos tomando todas as providências para evitar que uma
tragédia aconteça em Dourados", destacou. HE
O PROGRESSO encaminhou questionamentos ao Hospital Evangélico que foi
enfático. "São denúncias vazias vindas de uma campanha com o objetivo
de manchar a reputação do hospital. Estamos tomando as providências
judiciais a cerca dessas acusações", disse a assessoria. Tragédia
Há 30 anos, Goiânia era atingida por aquele que é considerado o
maior acidente radiológico do Brasil. A tragédia envolvendo o césio-137
deixou centenas de pessoas mortas contaminadas pelo elemento e outras
tantas com sequelas irreversíveis.
No âmbito radioativo, o Césio 137 só não foi maior que o acidente na
usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, segundo a Comissão
Nacional de Energia Nuclear (Cnen). O incidente teve início depois que
dois jovens catadores de papel encontraram e abriram um aparelho
contendo o elemento radioativo.
A peça foi achada em um prédio abandonado, onde funcionava uma
clínica desativada. Mesmo passadas mais de duas décadas da tragédia, o
acidente ainda deixa resquícios de medo. Um exemplo é a situação do
local onde morava uma das pessoas que encontraram a peça. A casa em que
vivia o catador foi demolida no mesmo ano em que tudo ocorreu. Apesar de
o solo ter sido todo retirado e ter sido substituído por várias camadas
de concreto, nunca mais qualquer tipo de construção foi feita no local.
A primeira vítima fatal do acidente radiológico foi a garota Leide
das Neves Ferreira, de 6 anos. Ela se tornou o símbolo dessa tragédia e
morreu depois de se encantar com o pó radioativo que brilhava durante a
noite.