Contemplado com bolsa BEPE da Fapesp, João Victor de Sousa Araujo pesquisa a resistência à corrosão das ligas de Alumínio (Al) de aeronaves
O
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Nuclear IPEN/USP tem se notabilizado, entre outras métricas, pela qualidade de seu corpo discente, com premiações e publicações em
periódicos de alto fator de impacto cada vez mais frequentes. É o caso do doutorando
João Victor de Sousa Araujo, que acaba de ser contemplado com uma Bolsa Estágio
de Pesquisa no Exterior (BEPE), da Fapesp. Se tudo der certo, ele embarca em
abril para Manchester, na Inglaterra, e trabalhará na University of Manchester,
sob supervisão do pesquisador Xiaorong Zhou.
"Estou
muito feliz, considero uma conquista e tanto, pois o nível de exigência da
Fapesp para a concessão de BEPE é muito alto”, diz João Victor. Para se ter uma
ideia do grau de exigência para concessão da bolsa, a Fapesp analisa a
"proposta" do candidato considerando o conjunto de quatro tópicos:
(1) o Projeto de Estágio de Pesquisa no Exterior; (2) o Histórico Escolar e
Acadêmico do aluno; (3) a Instituição de Pesquisa no Exterior; e (4) o Histórico
de Pesquisa do Supervisor do Estágio no Exterior.
A
proposta está vinculada ao projeto de doutorado de João Victor, intitulado
"Efeito da microestrutura de ligas de Al de alta resistência na formação e
comportamento frente à corrosão da camada anodizada" (Processo Fapesp
2019/18388-1). O estágio no
exterior visa desenvolver o projeto intitulado "Characterization of the
microstructure of the anodized layer in Al alloys using high magnification and
spatial resolution techniques".
De acordo com João Victor,
o objetivo do projeto é a utilização de técnicas de caracterização
microestrutural com alta resolução, como microscopia eletrônica de transmissão
e reconstrução volumétrica 3D de amostras de
ligas de alumínio anodizadas. "O processo foi tão bem avaliado
que a Fapesp prorrogou a data limite de viagem, de janeiro para maio, e eu
escolhi abril”, conta o estudante.
De
fato, o parecer do revisor foi muito positivo: "O candidato tem mostrado
significativa atividade científica na área de corrosão em ligas de alumínio,
contribuindo na elaboração de 10 artigos científicos. Conforme consta na base
SCOPUS esta produção foi citada 64 vezes, resultando em um índice-h igual a 5”, diz trecho
da avaliação final.
A
University of Manchester é uma instituição britânica de prestígio mundial e com
infraestrutura laboratorial de primeira linha, terceiro critério considerado
pela Fapesp. Por sua vez, o professor Xiaorong Zhou é um renomado pesquisador
na área de corrosão, com 250 artigos científicos publicados, 6.683 citações e
índice-H igual a 46, na base SCOPUS, o que pesou como quarto critério de
avaliação.
Outras
conquistas
O
jovem doutorando, de apenas 26 anos, também tem conseguido outras façanhas. É primeiro autor do artigo "TSA anodizing
voltage effects on the near-surface coarse intermetallic particles in the AA2024-T3
and AA2198-T8 alloys”,
que acaba de ser publicado no The International Journal Corrosion Engineering,
Science and Technology (FI: 2.087), da Editora Taylor & Francis.
Graduado
em Tecnologia em Materiais pela Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP/2016)
e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP/2019), João Victor se
dedica a estudar, no doutorado, a resistência à corrosão das ligas de Alumínio
(Al) das aeronaves. Sua pesquisa é fundamental para a aviação comercial, pois
as estruturas das aeronaves são compostas por essas ligas que, com o tempo e
fatores como ambientes próximos à maresia, por exemplo, podem sofrer
deteriorações devido à corrosão.
João
Victor ressalta que o tempo de vida médio de um jato comercial é de 30 anos. "Na
Força Aérea Americana, existem aviões em operação desde 1950, logo, manter a
integridade dessas peças é de vital importância, em termos de recursos
energéticos e de segurança”. Além disso – prossegue – "novas ligas de Alumínio
vêm sendo aplicadas com o objetivo de diminuir o peso das aeronaves. Sabe-se
que o peso das peças tem relação direta com consumo de combustível e,
consequentemente, com a emissão de carbono”.
Ou
seja, quanto mais combustível o avião consumir, maior será a emissão de carbono
para a atmosfera. Desse modo, conforme explica João Victor, um tratamento que
assegure a proteção dessas ligas de Al contra corrosão, sem aumentar o peso da
peça, é extremamente bem-vindo nesse mercado. E a anodização é justamente um
dos processos mais utilizados para esse fim.
"Para o Al, esse
procedimento gera a formação de duas camadas, uma camada de óxido mais espessa
que o óxido natural e com resistência à corrosão superior à essa, denominada
camada barreira, e outra camada mais espessa que a barreira, que apresenta uma
estrutura de poros ordenados, denominada camada porosa. Essas duas camadas
juntas compõem a camada anodizada (CA)”, explica.
Atualmente,
as companhias aéreas AirBus, Boeing, Embraer e a estatal chinesa Comac têm
utilizado a anodização como principal método de proteção contra a corrosão.
"E
cada vez mais o processo de anodização do alumínio e suas ligas vem sendo
explorado pela comunidade científica”, salienta João Victor. Ele conta que, nos
últimos anos, muitas patentes têm sido registradas com o objetivo de otimizar
esse processo. Sua pesquisa, desenvolvida no Laboratório de Eletroquímica do
Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais (CECTM) do IPEN, sob orientação da
pesquisadora Isolda Costa, é financiada pela Fapesp.
"Topetudo”
João
Victor diz que sempre gostou de estudar e foi aluno destaque em várias etapas
de sua formação. Em 2013, quando cursava o ensino técnico, ganhou o Prêmio CRQ
(Conselho Regional de Química) de Melhor Aluno. Iniciou a carreira acadêmica no
IPEN quando estava no último ano de graduação. "Fui apresentado à professora
Isolda e ela me colocou na pesquisa com ligas de alumínio, tema de projeto
Temático financiado pela Fapesp (2013/13235-6) e sob coordenação da orientadora,
à época”, conta.
Iniciou pesquisa
sobre o mecanismo de corrosão dessas ligas e gostou tanto que, desde 2016, passou
a estudá-las. "Tive meu primeiro artigo publicado no mestrado, em uma revista
de alto fator de impacto, como resultado da iniciação científica, que foi na
Corrosion Science (v. 133, p. 132-140, 2018), uma das mais conhecidas da área. Durante
o mestrado, ganhei o Prêmio Vicente Gentil, Trabalho Vencedor da edição do
INTERCORR 2018, ABRACO [Associação Brasileira de Corrosão]”.
Durante
o início da pandemia, em 2020, João Victor percebeu que não existia na
literatura acadêmica, em português, trabalho de revisão sobre o processo de
anodização de ligas de Al e, com o incentivo da orientadora, decidiu se
aprofundar e escrever um artigo de revisão. Após uma extensa busca, análise e
revisão sobre todos os trabalhos já realizados, iniciou a redação do artigo
intitulado "O processo de anodização do Alumínio e suas ligas: uma abordagem
história e eletroquímica”.
O artigo é uma espécie
de "linha do tempo” desse processo, um dos mais empregados para melhorar a
resistência à corrosão do Al e suas ligas. Foi publicado pela revista Química
Nova (Vol. 44, No. 8, 999-1011, 2021) e rendeu a João Victor convites para
apresentações e palestras em outros programas de pós-graduação na área de
engenharia metalúrgica, materiais e correlatas. "Fomos então convidados a ser
artigo de capa pela revista, porque ficou bem legal, e o fato de a gente ter
feito as figuras contando toda a história foi fundamental, ficou muito bem-feito”.
Isolda
Costa brinca que seu orientando é muito vaidoso, "a vaidade boa”, que estimula
a querer se superar, e isso faz dele um aluno diferenciado. "Ele não é apenas
dedicado, ele é topetudo”, diz. João Victor responde sem qualquer receio: "Sou mesmo”.
Artigo
inédito
De
acordo com João Victor, a anodização é um fenômeno bem documentado que ocorre
em ligas de alumínio. Na literatura científica, existem muitos trabalhos sobre
o assunto, os quais estão relacionados ao mecanismo de formação do Óxido de
Alumínio Anódico (AAO). No entanto, o efeito da microestrutura do Al e de suas
ligas na formação do AAO ainda não foi bem explicado.
Nesse
sentido, João Victor se propôs a revisar o efeito da microestrutura do Al e de
suas ligas na anodização por meio de uma abordagem histórica, estatística e
eletroquímica. Foram considerados os avanços no entendimento da influência de
elementos e partículas secundárias na anodização de ligas de Al. "É uma
contribuição na compilação de importantes achados nesta área, significativa
para o conhecimento e aprimoramento do entendimento sobre o efeito da
microestrutura do Al e suas ligas na formação do AAO”, diz.
O
trabalho foi submetido em fevereiro deste ano à revista cientifica: "Critical
Reviews in Solid State and Materials Sciences” que possui um fator de impacto 11
e se encontra no processo de revisão por pares. "É um artigo inédito porque não
existe, na literatura científica, nenhum outro estudo tão completo nesse
campo”, ressalta a orientadora.
Isolda
Costa destaca outro diferencial desse paper: o próprio João Victor fez
todas as imagens. O título do
artigo em questão é "A Historical, Statistical and Electrochemical Approach to
the Effect of Microstructure on Anodizing Aluminum Alloys: A Review”. "Acho
que vou começar a investir em desenho científico para ganhar a vida enquanto
não vêm os concursos”, brinca João Victor.
Depois
de publicado, o artigo também estará disponível no Repositório Digital do IPEN.