Interagindo com Dinossauros num Brasil Pré-histórico
DA "VICE"
A poucos minutos da Marginal Pinheiros, em São Paulo, existe um oásis urbano: um complexo de bosques, predinhos de arquitetura industrial, ciclovias e pistas de corrida chamado Cidade Universitária. O lugar é repleto de gente com livros embaixo do braço, atletas e jovens, mas também há espaço para espécies mais exóticas. Na última semana vi, mesmo, dinossauros –e sim, eu estava sóbria e posso explicar.
Em um dos prédios do local, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), ao lado de dezenas de salinhas de aspecto burocrático em corredores de concreto brilhante, trabalham os engenheiros de software Pedro Kayatt e Keila Matsumura, sócios-fundadores da VR Monkey, uma empresa de tecnologias em realidade virtual. Dentro de um cubículo sem janelas, a dupla se dedica a criar ao lado de outros desenvolvedores uma versão paleontóloga de Deus: um módulo para Oculus Rift que se passa em um Brasil pré-histórico habitado por dinossauros.
Para quem não sabe, o Oculus Rift é um gadget de realidade virtual cuja criação e lançamento foram financiados pelo Kickstarter em US$2,4 milhões, mas a iniciativa gerou interesse de outros investidores e o projeto chegou a receber cerca de US$75 milhões em aportes. Há pouco mais de um ano, o Facebook anunciou a aquisição da Oculus VR, a empresa por trás do projeto, por US$2 bilhões.
É fácil usar os óculos: é só ligar e colocar na cabeça junto dos fones de ouvido para explorar mundos em 3D de modo imersivo. Muitos comentaristas dizem que a versão final do brinquedo (que já é vendida para desenvolvedores) deve revolucionar o entretenimento. Estima-se que, dentro de três anos, 30% das residências americanas tenham algum dispositivo de realidade virtual, como o Oculus. "Estamos trabalhando com algo que ainda não existe e realizando o sonho de muitos paleontólogos, que é interagir com um dinossauro", me disse Pedro, empolgado, em uma sala de reunião perto do pequeno escritório da VR Monkey.
Dinos do Brasil, o módulo que a empresa desenvolve para dispositivos de realidade virtual, não é jogável: trata-se de uma criação educativa, uma viagem virtual por um mundo em que é possível ver e interagir com dinossauros brasileiros sobre os quais a maioria de nós sequer ouve falar na escola. A intenção de Pedro e Keila é exibir o projeto em museus e, assim, criar referências diferentes para esse universo. "Quero que, quando falarmos em dinossauros, as crianças se lembrem de alguma espécie brasileira, e não do T-Rex", diz Keila.
O primeiros fósseis em território nacional foram encontrados em 1897, na Paraíba. Até 1999, só havia três espécies de dinos brasileiros. De 2000 pra cá, foram descobertas outras 18 em mais de oito estados brasileiros, de norte a sul.
No total, temos 21 bichos que não devem nada para os famosos répteis pré-históricos que conhecemos por causa de Hollywood. Dois deles, o Uberabatitan, o maior dino brasileiro, com até 6 metros de altura e 15 de comprimento, e o Abelissauro (que é o primo brasileiro do T-Rex), aparecem na demo do módulo que a empresa está desenvolvendo: um tour de cinco minutos que apresenta o potencial do projeto.
O visitante (eu, no caso) começa dentro de uma caverna. Um narrador de voz bem grave então explica as dificuldades de reconstruir um mundo pré-histórico em realidade virtual: pesquisadores, cientistas, modeladores, designers, roteiristas, engenheiros de som, especialistas em realidade virtual e programadores precisam trabalhar em conjunto.
Quando a demo terminou, desejei que fosse mais longa. É pouco tempo com os bichos –aliás, a sensação que a experiência passa é essa: são bichos. Aos vê-los de perto e em primeira pessoa, a impressão que tive sobre os dinossauros de programação da Keila e do Pedro é mais ou menos a mesma de quando você reconhece bichos carismáticos em animais do zoológico que, em filmes e na TV, pareciam meio monstruosos.
A VR Monkey pretende começar a exibir a exposição interativa Dinos do Brasil no Museu Catavento Cultural em São Paulo. O projeto está em fase de captação de recursos pela Lei Rouanet– eles precisam de quase 3 milhões de reais, que prevêem gastos de produção do projeto, equipamento e hardware e marketing, por exemplo. Na exposição final, 25 pessoas usando Oculus Rift ocuparão uma sala enquanto assistem ao módulo.
Pedro e Keila não duvidam por um segundo de que serão capazes de captar a quantidade de dinheiro necessária pra transformar o Dinos do Brasil em um dos primeiros tours educativos com Oculus Rift do mundo. Depois de testar a demo, confesso que espero que eles estejam certos: o mundo merece ver dinossauros como eu vi.