Menu Principal
Portal do Governo Brasileiro
Logotipo do IPEN - Retornar à página principal

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

Ciência e Tecnologia a serviço da vida

 
Portal > Institucional > Notícias > Ipen na Mídia

Como tudo começou - Registro Histórico

O primeiro acordo nuclear do Brasil, assinado em 1945 com os EUA previa que o Brasil forneceria minérios radioativos e, em troca, esperava receber reatores nucleares. Mas isso não aconteceu. "A matéria-prima foi para os Estados Unidos, mas as centrífugas não chegavam ao Brasil. Em função dessa circunstância, as autoridades brasileiras perceberam que as intenções estadunidenses na área nuclear não se sintonizavam com as aspirações brasileiras", afirma a historiadora Fernanda das Graças Correa, em seu livro "O Projeto do Submarino Nuclear Brasileiro" (Capax Dei Editora, 2010, Rio de Janeiro).

Fonte: Brasil Nuclear nº49

Vera Dantas

A saída encontrada pelo presidente Getúlio Vargas para acessar a tecnologia nuclear, de acordo com Fernanda Correa, foi buscar sigilosamente outras opções: através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), enviou à França uma missão chefiada por Alexandre Girotto, e outra à Alemanha, tendo à frente o almirante Álvaro Alberto Mota e Silva. Com receio de sofrer retaliações dos EUA, a França não negociou os reatores com Girotto. Já a missão enviada à Alemanha foi bem-sucedida. "Em função de sua antiga amizade com cientistas alemães, o almirante Álvaro Alberto combinou com Wilhelm Groth, chefe do Instituto de Física e Química da Universidade de Bonn, a construção secreta desses reatores. Em 1954, quando esses reatores estavam sendo embarcados no porto de Hamburgo, um destacamento militar inglês os apreendeu", registra.

O livro descreve as iniciativas do governo militar brasileiro na área nuclear, a partir da década de 1970. "A recusa à assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), já no início do governo Costa e Silva (1968-1969), contrariando as intenções dos Estados Unidos, foi uma manifestação do entendimento de que o domínio da tecnologia nuclear era um elemento chave para a transformação do País em uma potência política, econômica e militar em âmbito mundial", afirma Fernanda.

Segundo ela, um exemplo do descompromisso dos EUA em relação ao Brasil foi a assinatura, no início da década de 1970, no governo de Emílio Garrastazú Médici (1969-1974), por parte da empresa estadunidense Westinghouse, do contrato de construção de uma usina nuclear em Angra dos Reis. "Ocorre que, desde 1964, o governo americano tinha proibido a Westinghouse de comercializar a sua tecnologia de urânio", revela.

Para fugir do cerco dos Estados Unidos quanto à política de não-proliferação nuclear, o sucessor de Médici, general Ernesto Geisel, optou por buscar parcerias e contratos estratégicos com a Inglaterra, a França e a Alemanha, países europeus que já dominavam a tecnologia nuclear. "Por estar livre de questões contratuais e por considerar a proximidade com o Brasil uma parceria estratégica, a Alemanha foi a única a se mostrar favorável a transferir tecnologia nuclear para o Brasil", explica Fernanda.

O acordo Brasil-Alemanha previa a transferência de tecnologia de enriquecimento de urânio. Mas o consórcio Uremco, formado pela Alemanha, Inglaterra e Holanda, que forneceria o urânio enriquecido para o Brasil, não aprovou que se transferisse a tecnologia por ultracentrifugação. Os alemães ofereceram, então, a tecnologia jet-nozzle, que desenvolveram. Mas essa tecnologia havia sido demonstrada apenas em escala laboratorial, sem ter sido comprovada comercialmente, nem mesmo na Alemanha.

"Em meados de 1978, o capitão de fragata Othon Luiz Pinheiro da Silva, que regressara dos Estados Unidos com os títulos de engenheiro nuclear e mestre em Engenharia Mecânica pelo MIT, elaborou um relatório propondo criar um projeto para o desenvolvimento de um submarino de propulsão nuclear usando unicamente esforço nacional. Os esforços iniciais se concentrariam no ciclo do combustível nuclear e, logo a seguir, no sistema de propulsão nuclear para submarino. O relatório de Othon foi aprovado em dezembro de 1978", relata Fernanda.

No mês seguinte, ele foi transferido, em comum acordo pela Marinha e pela Aeronáutica para o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP), com a finalidade de participar e avaliar o programa de enriquecimento isotópico por laser, que estava sendo lá desenvolvido. Seu relatório, enviado ao Estado Maior da Armada (EMA) ainda naquele ano, concluía que o enriquecimento isotópico a laser não seria viável para os objetivos de produzir urânio enriquecido em grandes quantidades num prazo aproximado de dez anos e que o enriquecimento de urânio por meio de ultracentrifugação era a melhor opção. O projeto de enriquecimento de urânio estava subordinado ao EMA, que deu a autorização para contatar todas as instituições necessárias para viabilizar o projeto de enriquecimento por meio de ultracentrifugação.

"Por ser um empreendimento sigiloso no Brasil e também para a comunidade internacional, e por também contar com poucas pessoas capacitadas e qualificadas técnico-academicamente, a Marinha realizou o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação com um pequeno número de engenheiros de diversas instituições e empresas nacionais", informa o livro. Uma dessas instituições foi o Ipen.

De acordo com a autora, o Ipen era o único instituto brasileiro na área nuclear não subordinado à Nuclebrás, não estando, portanto, sujeito às salvaguardas internacionais, como eram todas as atividades contempladas no acordo Brasil-Alemanha. O Instituto já vinha há muitos anos desenvolvendo atividades relacionadas com química e metalurgia do urânio e estava conduzindo, com o apoio da Cnen, o Projeto de Conversão de Urânio, Procon, que visava o desenvolvimento de tecnologias do ciclo do combustível nuclear, particularmente a de produção do gás hexafluoreto de urânio.

O Ipen foi fundamental ao projeto nuclear da Marinha. As duas instituições deram continuidade ao projeto de ultracentrifugação. Outro apoio relevante ao projeto de ultracentrifugação, a partir de setembro de 1979, veio do físico civil Rex Nazaré Alves, então um dos diretores executivos da Cnen. "O projeto de desenvolvimento da ultracentrífuga teve início em fevereiro de 1980, com recursos alocados, à princípio, do orçamento da Marinha. Logo depois, Rex Nazaré Alves assumiu a presidência da Cnen e, a partir daí, o projeto pode contar também com os recursos alocados da Comissão. Em dezembro de 1981 foi concluída a construção da primeira ultracentrífuga, no que foi o primeiro passo concreto do Brasil na produção autônoma de tecnologia nuclear".

A primeira operação de enriquecimento isotópico de urânio com a ultracentrífuga ocorreu em setembro de 1982 e constituiu-se num grande fato tecnológico. Em setembro de 1984, conseguiu-se a realização da primeira operação de enriquecimento pelo sistema de cascata. Esta operação consistiu em fazer com que o urânio percorresse várias centrífugas, sucessivamente, tornando-o mais enriquecido em cada operação. Tal façanha era um marco para a tecnologia brasileira, pois poucos eram os países que dispunham de tal tecnologia.


O APOIO FUNDAMENTAL DE REX NAZARÉ

O desenvolvimento da tecnologia nuclear nas décadas de 1970 e 1980 deve-se, em grande parte, ao forte envolvimento de pessoas como o físico Rex Nazaré Alves. Como diretor e, a partir de 1982, como presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), ele se empenhou para viabilizar os recursos financeiros e humanos necessários aos projetos brasileiros.

Rex Nazaré formou-se em 1962 pela antiga Universidade do Estado da Guanabara, hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e fez pós-graduação em Engenharia Nuclear no Instituto Militar de Engenharia (IME). Em 1968, ao retornar do pós-doutorado na França, foi convocado pelo presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Uriel da Costa Ribeiro, seu ex-professor no IME, para implantar o Laboratório de Dosimetria da instituição, ainda embrionário. Aceitou o desafio, "mesmo sabendo que assumia uma área sem quadros suficientes, equipamentos adequados e nem mesmo instalações físicas", como declarou em entrevista à edição 17 daBrasil Nuclear(1998). Fez acordos, parcerias e convênios, que possibilitaram a construção da sede e a aquisição dos primeiros equipamentos. Outros equipamentos foram doados ou cedidos para uso por outras instituições. Com isso, o agora Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD) pôde dar início a trabalhos de medidas ambientais e médicas, e montar a primeira estrutura para metrologia de radiações no Rio de Janeiro.

Em 1975, Nazaré assumiu a diretoria-executiva da Cnen. Naquele mesmo ano, era concretizado o Acordo Nuclear Brasil -Alemanha. À frente da Cnen, criou um programa nacional de formação de recursos humanos na área nuclear, o Pró-Nuclear.

Em março de 1979, o presidente Ernesto Geisel autorizou o desenvolvimento da tecnologia de enriquecimento de urânio por parte do então Instituto de Pesquisas Atômicas, hoje Ipen, com financiamento da Cnen e do CNPq. Em agosto daquele ano, o sucessor de Geisel, João Figueiredo, convidou Nazaré para participar da estruturação de um programa autônomo de tecnologia nacional, com ênfase na área nuclear. "Era o desenvolvimento de toda a tecnologia que o Brasil precisasse para fins pacíficos. Seus custos eram reduzidos. Envolveríamos nisso todos os órgãos nacionais que pudessem cooperar e todos os competentes pesquisadores e engenheiros brasileiros", disse ele na entrevista.

Em setembro de 1982, Rex Nazaré assumiu a presidência da Cnen.


Eventos