De vilã a fonte “verde”: Brasil retoma projeto de energia nuclear
Assim como em outros países do mundo, projeto nuclear volta a ganhar força como alternativa para fugir da solução fóssil; financiamento e impacto no meio ambiente são questionados
O governo afirma que a previsão para Angra 3 entrar em operação é 2027, a um custo estimado de R$ 20 bilhões. O empreendimento encontra-se em fase final da modelagem pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
"A construção da usina nuclear Angra 3 está com mais de 60% do projeto executado. Sua conclusão, pelos aspectos financeiros, é plenamente justificada. A descontinuidade da construção implicaria no desmonte da estrutura existente, pagamento de multas contratuais e a desativação completa do canteiro de obras. Portanto, haveria necessidade de arcar com enorme prejuízo”, diz Senra, cientista da Coppe/UFRJ.
Ele acrescenta que, quanto aos aspectos energéticos, também é justificada a conclusão da obra. "Se a usina nuclear Angra 3 já estivesse em operação, a crise hídrica que assola o país teria impacto reduzido no fornecimento e no custo da eletricidade para o consumidor”, afirma.
Em relação à Angra 1, está em curso o pedido para extensão de sua vida útil em mais 20 anos, informa o ministério por meio de nota. De acordo com o governo, a recalibração de reatores nucleares é algo que vem sendo feito no mundo todo.
Por um lado, por causa do desenvolvimento tecnológico – novos materiais e técnicas podem dar segurança para as usinas por mais tempo em relação àquilo que elas foram projetadas na segunda metade do século passado. De outro, pelos padrões rigorosos do período da construção. O prazo de operação do licenciamento inicial, da época da inauguração, poderia ser ampliado dentro de algumas condições.
Especialistas confirmam que a extensão de operação é algo corriqueiro no mundo, mas avaliam que cada caso é um caso, e todos precisam seguir protocolos rígidos. Pelos dados do governo federal, os Estados Unidos, por exemplo, esticaram recentemente a operação de mais de 70 usinas nucleares. Na maioria dos casos, a vida útil passou de 40 para 60 anos. Na França isso também está ocorrendo.
Em relação à Angra 2, segundo o MME, existe um plano para implementar um Programa Integrado de Gestão do Envelhecimento de Sistemas, Estruturas e Componentes. Ainda não há previsão de extensão da vida útil dos reatores.
A Usina de Angra 1 é de 1985 e, inicialmente, deveria funcionar por 40 anos, portanto, até 2024. Mas se o pedido do governo para extensão do prazo até 2044 não for concedido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), apenas Angra 2 continuará em ação – o que faria com que a usina, que pode funcionar até 2026, se tornasse a única a gerar energia nuclear no Brasil.
Apenas a partir de 2027, se os planos se confirmarem, é que os reatores de Angra 3 entrariam em ação. As obras desta usina começaram em 1984 e foram paradas em 2015, por causa de desvios apontados pela Operação Lava Jato.
O consórcio Angra Eurobras NES, vencedor da concorrência para estruturação do projeto de retomada e término das obras de Angra 3, anunciou que vai apresentar até o fim do ano um estudo sobre o estado da obra até agora e o que também precisará ser feito.
A licitação para o início das novas obras também já foi feita. A terceira usina a ser feita na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), nome oficial das instalações, deverá ter 1.405 megawatts (MW) de potência instalada e aproximadamente 82 mil metros quadrados (m²) de área construída.
O consórcio Angra Eurobras NES tem como líder a Tractebel Engineering Ltda. Além da construção e aperfeiçoamento do parque nuclear de Angra, o recente protocolo de cooperação nuclear com a gigante russa Rosatom também ajuda a corroborar a aposta da gestão Bolsonaro no universo nuclear.
O governo defende que a energia nuclear é importante para diversificar a matriz energética brasileira, principalmente as chamadas de base, que sustentam a rede independentemente da situação. Além disso, ela também será essencial para evitar o aumento das emissões de gases de efeito estufa. E, ainda, será barata, porque o país é o sétimo do mundo em reservas de urânio e é um dos dez que dominam o ciclo do combustível.
Mas todas essas teses, assim como ocorre em outros países, onde o debate sobre segurança e os riscos dos dejetos tóxicos que duram séculos estão candentes, não apresentam nenhuma unanimidade.
"Do ponto de vista do suprimento de energia, da segurança energética do país, o Brasil não precisa de energia nuclear”, afirma Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas.
O raciocínio do executivo do think tank brasileiro está baseado em duas premissas. Segundo ele, existe um potencial para a energia eólica do Brasil (inshore e offshore) de 1 milhão e 300 mil megawatts, enquanto a capacidade instalada do país é de 175 mil megawatts.
"Temos aí a grandeza do tamanho da possibilidade que o país tem de se suprir com a força do vento sem necessitar de uma energia que tem, além dessa desnecessidade, um segundo problema. Ela é muito cara”, afirma Leitão.
Pelos cálculos do Escolhas, Angra 3, para ser concluída, vai significar um custo 47% maior do que Angra 2. "A energia nuclear só consegue ser viabilizada com pesado investimento estatal. Para você concluir a obra, tem que buscar recursos no caixa do BNDES e no caixa da Caixa Econômica Federal.”