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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

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Esvaziar IPEN “põe em risco a vida de 2 milhões de pessoas” que se tratam de câncer, alerta diretor do instituto

Governo cortou verbas do Instituto que fabrica radiofármacos usados no tratamento e no diagnóstico de câncer. Ao mesmo tempo, parlamentares ligados ao Planalto iniciaram tramitação da PEC para esvaziar instituto e privatizar o setor

Fonte: Hora do Povo

O governo Bolsonaro cortou 44,8% dos recursos destinados à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), na Lei Orçamentária Anual 2021. O corte levou à paralisação, pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), da produção de radiofármacos e radioisótopos usados para o tratamento de câncer no Brasil. Em 2020, a verba repassada ao IPEN pelo governo federal foi de R$ 165 milhões. Neste ano, até agosto, o instituto recebeu pouco mais de R$ 91 milhões.

Corte de Verbas

Este corte abrupto de verbas colocou em risco a vida de cerca de 2 milhões de pessoas em todo o país, segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN). O IPEN é responsável pelo fornecimento de 25 tipos de radiofármacos aos laboratórios e hospitais de todo o Brasil. Cerca de 85% de toda a produção nacional desse tipo de medicamento, com material radioativo, sai de lá.

Os radiofármacos produzidos pelo IPEN têm duas funções. Uma é o tratamento em si que, no caso de alguns tipos de câncer, são a única opção. Outra é o diagnóstico por imagem – exames que ajudam a detectar a presença do câncer e de outras doenças. Com a falta de verbas, hospitais chegaram a cancelar tratamentos por causa do desabastecimento.

Paralelo aos cortes de verbas do governo que ameaçaram a vida das pessoas, avançou no Congresso Nacional a tramitação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que tem o objetivo de esvaziar a atuação do IPEN e transferir para grupos privados a responsabilidade pela importação e fabricação dos radiofármacos.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 517/10, do Senado, de autoria do senador Álvaro Dias (Podemos-PR), prevê a quebra do monopólio governamental para a produção dos radioisótopos. Hoje, a produção e a comercialização desses fármacos no Brasil são realizadas por intermédio da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e seus institutos, como o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), em São Paulo.

Segurança Nacional

A Constituição já autoriza, sob regime de permissão, a comercialização e a utilização de radioisótopos para pesquisa e uso médico. A produção por empresas privadas é permitida no caso de radiofármacos de curta duração (meia-vida igual ou inferior a duas horas). Ao defender a aprovação do texto da PEC, o General Peternelli, relator do projeto na Câmara, argumentou que a produção pela iniciativa privada "resultará em menores custos para a pesquisa, a produção e o uso de radiofármacos, pois eliminará gastos relacionados com o processo de importação, frete, seguros e câmbio”.

O superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (IPEN-CNEN), Wilson Calvo, enviou carta aos parlamentares da Comissão Especial da Câmara dos Deputados e contestou as afirmações do relator. "Atualmente, o preço do gerador de 2.000mCi (radiofármaco) produzido pelo IPEN-CNEN é de R$ 6.835,00 e o praticado pela iniciativa privada é de R$17.200,00. Mesmo com a correção pela variação cambial do radioisótopo (99Mo), o preço desse gerador praticado pelo instituto passaria a R$8.885,50. Além disso, tratam-se de produtos injetáveis e o rigor da ANVISA e a saúde dos pacientes são prioritários”, informa Wilson Calvo.

Em entrevista ao HP, o superintendente do IPEN alertou que a PEC-517/2010, que abre caminho para a quebra do monopólio da União, não garante o investimento do Estado, imprescindível à modernização das instalações de produção do Centro de Radiofarmácia do IPEN/CNEN.

Calvo informou que, depois de ter sido adiada a votação algumas vezes e terem sido canceladas em duas ocasiões audiências públicas com entidades representativas da comunidade científica, a Proposta de Emenda à Constituição que autoriza a iniciativa privada a produzir e comercializar todos os radioisótopos de uso na medicina foi aprovada, no último dia 15 de dezembro, e deverá seguir para apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.

O especialista explicou que radioisótopos são os insumos necessários para a obtenção de radiofármacos (medicamentos que emitem radiação) utilizados no diagnóstico e tratamento de doenças, principalmente contra o câncer, cuja produção, atualmente, é monopólio da União, sob a responsabilidade do IPEN/CNEN.

50 Milhões de Procedimentos

"Nós não somos contra a iniciativa privada, mas o texto da PEC não garante, por exemplo, os recursos para a obtenção das boas práticas de fabricação (BPF) no IPEN/CNEN e o consequente registro definitivo dos produtos junto à Anvisa”, afirmou Calvo. Entre os 24 radiofármacos produzidos pelo IPEN/CNEN, atualmente, estão os geradores de 99mTc, responsáveis por 85% dos diagnósticos de doenças em Medicina Nuclear, e 21 produtos possuem registro na Anvisa "por meio de uso consagrado, com mais de 50 milhões de procedimentos realizados no País”.

Para produzir os geradores de 99mTc, o IPEN/CNEN depende 100% da importação do insumo, o radioisótopo 99Mo, fornecido pela Rússia, África do Sul e Holanda. Em mais de seis décadas de atuação, o Instituto só teve a produção comprometida em três situações: em 2009, com a paralisação do então principal produtor mundial de radioisótopos, o Reator Nuclear NRU, do Canadá; no auge da pandemia de Covid-19, em 2020, que comprometeu a logística de voos internacionais; e este ano, após o corte de 44,8% nos recursos destinados à CNEN, na Lei Orçamentária Anual 2021.

"E mesmo em 2020, com a pandemia, o IPEN/CNEN não deixou de abastecer as clínicas e os hospitais. Inclusive, na ocasião, nossos esforços foram reconhecidos pela própria SBMN [Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear] e pela Casa Civil [pronunciamento em cadeia nacional do ministro Braga Neto]”, ressalta Calvo. Em carta enviada ao superintendente, a diretoria da SBMN agradeceu ao Instituto "pela sua atuação, que possibilitou a chegada de insumos vindos da África do Sul até o Instituto de forma segura, em operação de repatriação de brasileiros e ação integrada com a CNEN, Casa Civil e os Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e das Relações Exteriores (MRE)”.

Reator Multipropósito Brasileiro

Para o superintendente do IPEN, a principal saída para o Brasil é a consolidação do Projeto Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), a ser instalado em Iperó (SP), que vai garantir ao País autossuficiência na produção de radioisótopos, principalmente do 99Mo. "Além disso, o RMB pode ser também um potencial exportador desse radioisótopo, saindo o Brasil da condição de dependência total para a de fornecedor mundial. Mas isso deveria estar contemplado no texto da PEC-517/2010, e não está”, adverte Calvo.

Um dos pontos levantados por Calvo, em todas as suas manifestações sobre a PEC-517/2010, é justamente a necessidade de adoção de uma matriz autossustentável para o Instituto, de maneira que não dependa exclusivamente do Estado e que, no futuro, venha a ser praticado no RMB. Ou seja, um modelo em que os recursos da comercialização dos itens a serem produzidos e dos futuros serviços tecnológicos prestados sejam revertidos ao próprio produtor.

Essas medidas, segundo o superintendente do IPEN/CNEN, possibilitarão ampliar a oferta de diagnósticos e terapias a preços mais acessíveis ao Sistema Único de Saúde (SUS), expandindo e democratizando o atendimento aos usuários da rede pública. "Atualmente, dos 2 milhões de procedimentos realizados por ano, somente 25% são destinados à população que depende da rede pública de saúde. Entretanto, esta proposta de ampliação encontra-se em risco, da forma como está o texto da PEC-517/2010”.

Os países com maior número de procedimentos (diagnósticos e terapias) em Medicina Nuclear possuem seus próprios reatores nucleares de pesquisa, para produção dos radioisótopos localmente, tais como, Estados Unidos e Argentina, dentre outros. A entrega da comercialização dos radiofármacos para a iniciativa privada retirará do IPEN uma de suas principais fontes de receitas exatamente no momento em que está sendo construído o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) que tornará o Brasil, não só autossuficiente em produção de radiosótopos, mas também exportador do produto.

O IPEN-CNEN possui um Plano de Ação firmado com a ANVISA até 2025 e vem trabalhando na modernização de suas instalações de produção dos radiofármacos e geradores de 99Mo/99mTc no Centro de Radiofarmácia. Dessa forma, produzirá no conceito de Boas Práticas de Fabricação (BPF), e registrará seus 24 produtos atuais não mais na RDC 263/2019 (radiofármacos de uso consagrado) e sim na RDC 451/2020, a qual dispõe sobre o registro, notificação, importação e controle de qualidade de radiofármacos e substitui a RDC 64/2009, que criou esta classe de medicamentos no Brasil. O Centro de Radiofarmácia terá capacidade para duplicar sua produção, preparando-se, principalmente, para a entrada em operação do RMB.

Investimentos em Tecnologia Nacional

"É uma pena que todo o investimento de R$ 14 milhões que está sendo feito para modernizar a Radiofarmácia do IPEN, por meio do nosso projeto aprovado na FAPESP, corra o risco de se perder com a entrada da iniciativa privada no mercado, se passar essa PEC do jeito que está sendo proposta. Lamentavelmente, nem mesmo a mídia está interessada nessa discussão, que pode significar um retrocesso na medicina nuclear do Brasil, no sentido de desfavorecer a população usuária do Sistema público de saúde”, comentou Marcelo Linardi, pesquisador aposentado e coordenador do Projeto "Capacitação científica, tecnológica e em infraestrutura em radiofármacos, radiações e empreendedorismo a serviço da saúde (PDIp)”.

Os geradores de 99Mo/99mTc são responsáveis por 85% dos diagnósticos de doenças em Medicina Nuclear. Principalmente, representam 72,8% do faturamento/arrecadação anual no Instituto, no total de R$ 120 milhões em 2019. Os radiofármacos de iodo-131 (131I), lutécio-177(177Lu) e gálio-67 (67Ga) respondem, respectivamente, por 13,18%, 4,38% e 2,71%. Assim, dos 24 produtos distribuídos pelo IPEN-CNEN apenas esses 4 (quatro) têm grande interesse comercial pelo setor privado.

O novo Modelo de Gestão ao Centro de Radiofarmácia do IPEN-CNEN, juntamente com a produção nacional de radioisótopos no RMB, possibilitará ampliar os procedimentos de diagnósticos e terapias, a preços muito mais acessíveis aos pacientes do SUS, democratizando-se a Medicina Nuclear no País. Atualmente, dos próximos 2 milhões de procedimentos por ano, somente 25% são destinados à população mais carente, a qual mais necessita de Política Pública do Estado.

O deputado Alexandre Padilha (PT-SP), vem tentando impedir a aprovação da PEC, afirmando que a produção de radiofármacos é questão de "soberania nacional” e será equacionada com a construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), em São Paulo. "A falta de recursos para a aquisição de insumos necessários para a produção de radiofármacos não pode servir de justificativa para a privatização de produtos que envolvem a segurança e soberania do País”, disse o deputado.

O reator poderá produzir os radioisótopos importados pelo IPEN. O tratamento é feito em cerca de 440 clinicas privadas e do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na avaliação da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a proposta de emenda à Constituição, se aprovada, vai retirar recursos do setor nuclear público brasileiro e prejudicar pacientes do Sistema Único de Saúde, com um possível encarecimento da produção. "Não podemos entregar a produção de insumos para a rede privada, sucatear o IPEN e encarecer produtos para o SUS”, afirmou a deputada.

Convocada duas vezes a se manifestar em audiência pública, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi comunicada do cancelamento poucas horas do início previsto para sua participação. Entretanto, em Carta Aberta divulgada em 18 de novembro, o presidente Renato Janine Ribeiro alertou que a "quebra do monopólio causará danos gravíssimos”, podendo trazer irremediáveis prejuízos à saúde da população brasileira”.

Segundo Janine, a aprovação da PEC-517/2010 também vai "afetar o desenvolvimento cientifico e tecnológico nesta área tão estratégica da medicina nuclear”. O presidente da SBPC lamentou o "cancelamento em cima da hora” e solicitou que a comunidade cientifica fosse ouvida para que pudesse "apresentar seus argumentos contrários a aprovação desta PEC”. De acordo com o presidente da SBPC, a entidade não obteve resposta da Comissão.

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